sexta-feira, 3 de abril de 2009

Vender a vida tão perto da morte

Ano de 2009, século XXI, jornalismo ou literatura?

Nos primórdios do século XIX e com a ascensão meteórica da imprensa e o consequente desenvolvimento do jornalismo, foram muitos os que sentiram necessidade de identificar a profissão com determinados valores, entre eles: a verdade, a independência, a objectividade e a noção de serviço público.
Actualmente, volvidos dois séculos de inovação e informação constantes, levamo-nos a perguntar se os media que cresceram sob a euforia do período dourado das comunicações são hoje os mesmos media que lutam por um jornalismo digno e capaz de servir os seus próprios princípios.
Não somos detentores da resposta, mas podemos tentar encontrá-la na realidade, nessa esfera de cristal que reflecte de forma inigualável aquilo que somos e o que fazemos no mundo.
Vejamos então.
Ano de 2009, século XXI, Inglaterra. Jade Goddy é o nome da protagonista de um dos casos mais insólitos que passaram pelos media nos últimos anos.
Com apenas 27 anos esta jovem britânica deu-se a conhecer ao mundo aquando da sua participação no programa televisivo Big Brother, no ano de 2002, marcando desde cedo a diferença pela sua conduta irreverente.
Sete anos depois, a jovem britânica regressa ao palco dos media com o anúncio surpreendente e não menos dramático da sua doença. Dada pelos especialistas como doente terminal, vítima de cancro no colo do útero, a jovem de 27 anos, decidiu vender o exclusivo dos seus últimos meses de vida à televisão britânica Living TV, que desde então transmite todos os passos do seu tratamento médico e hospitalar, bem como grande parte da vida pessoal da jovem britânica.
Um milhão de euros é o preço da morte de Jade Goody, o preço que a Living TV pagou em busca de audiências e drama, em busca de um reality show que excede todas as barreiras do anteriormente visto.
São estes os media que buscam a noção de serviço público, que procuram dignificar o carácter sério e humano da sua profissão? Ou apenas os media que agem como animais em busca de “carne fresca”? Em busca de alimento para as mentes famintas de drama e tragédia?
O bom senso ditaria que se trata de uma vida humana, e que, a morte, dolorosa e cruel, jamais deveria ser explorada sob o olhar do mundo. No entanto, os valores subverteram-se, e aos media que compram a vida e a morte, os cidadãos retribuem o sorriso de quem se regozija por ainda não ser a sua vez, por poder olhar de perto as histórias com as quais muitas vezes apenas puderam contactar através da literatura.

Isa Mestre

7 comentários:

  1. Ter audiências é cada vez mais importante do que ter qualidade.
    Mas quando a qualidade passa por valores como a dignidade, a postura dos media deveria manter-se inexpugnável.
    Cair na tentação de angariar audiências por troca de um drama humano - ainda que conscientemente negociado e encorajado pela jovem que acabou, de facto, por morrer - parece-me de extremo mau-gosto e reflecte uma morbidez que chega a assustar-me.

    Parabéns, o post está óptimo:)

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  2. Moral ou imoral?
    Antes de questionarmos o carácter dos mass media, devíamos observar o nosso. Essa "carne fresca" é apenas o que nós, espectadores, queremos ver.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Concordo com o David.
    É a lei da oferta/procura, se lhe pagaram, e bem, foi com a certeza de que teriam público interessado o suficiente para compensar o “investimento”.
    Não era isto o que queriam? A maior polémica possível envolvendo a questão e divulgando o nome do canal televisivo.

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  5. É um tipo de "Truman Show"... Lamentavelmente (e não acredito que haja muitas excepções) o voyeurismo alimenta fortemente os canais de televisão, ou não fosse o Big Brother, neste caso, a grande "máquina" que impulsionou a polémica... Se não fosse isso, este seria mais um caso de cancro como muitos outros que passam despercebidos aos olhos do mundo. Os mass media apenas tiraram partido da situação através do acordo com a "protagonista". E nesse aspecto concordo plenamente com o David e faço minhas as palavras dele: "Essa "carne fresca" é apenas o que nós, espectadores, queremos ver".

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  6. Isa está Lindo!!!

    De facto este polémico caso abanou o mundo.

    Por um lado temos as audiências, que só reflectem a condição decadente da nossa sociedade. O público interessa-se cada vez mais no alheio e no fenómeno da morte. É só lembrarmo-nos do Boom de programas televisivos que tratam esta temática, como CSI etc., expondo crimes e cadáveres sem nenhum pudor ao telespectador.

    A morte, e concretamente a exposição de mortos, constitui, em determinadas situações, um facto de interesse público. Interesse tanto mais sustentável quanto mais significativa for a personalidade do morto ou e as circunstâncias da sua morte ou e as suas consequências.

    A questão passa ainda pelo respeito à dignidade humana, que os mortos, por o serem, obviamente não perdem, pelos direitos dos seus familiares e próximos e pelos direitos do público em geral, designadamente o mais vulnerável, e, nomeadamente, as crianças

    Por outro lado, não devemos desculpabilizar os meios de comunicação, que vangloriam-se da sua liberdade e da sua autonomia. Estes supostamente têm um papel na educação e geração de públicos.

    Este tipo de conteúdo lúgubre deixa-me profundamente consternada. Não me refiro a programas ficcionados como CSI (do qual sou fã), mas a exposição duma vida real, paga por um preço.

    Mas ainda falta analisar o caso pela perspectiva de Jade...

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  7. Sim, são esses animais à procura de ''carne fresca'', sem dúvida.

    Tudo pelo share!

    mas as pessoas gostam...

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