sexta-feira, 29 de maio de 2009

«Se podes OLHAR, VÊ. Se podes ver, REPARA.»

José Saramago, um dos escritores portugueses mais premiados de sempre, publicou mais de seis romances, entre 1995 e 2005, onde os enredos não ocorrem em locais ou épocas passadas da história, mas sim nos trilhos da sociedade contemporânea. É neste contexto que surge «Ensaio sobre a cegueira», em 1995, agora recentemente reeditado e adaptado para o cinema.
Este romance fica marcado pelo cariz extremamente reflexivo, como de resto é comum no autor, sendo que Saramago sentiu a necessidade de estruturar externamente a sua obra em dezasseis capítulos, nos quais se desenrola a acção, centrados sobretudo na natureza física do Homem e na reflexão sobre a nossa concepção do outro. A obra apresenta ao leitor comum a história de seis pessoas, que se encontram cegas, e que dependem apenas de uma sétima, que vê, para sobreviver numa sociedade onde todos estão completamente cegos.
O romance aborda uma emergente, inédita e repentina praga que se abate sobre uma cidade não identificada. Uma forma diferente de cegueira surge, como uma epidemia, que se propaga a olhos vistos, de maneira inexplicável e sem qualquer cura. Denominada de «cegueira branca», uma vez que os infectados nada mais vêem que uma superfície branca, manifesta-se primeiramente num homem que se encontra dentro do seu carro, no meio do trânsito. Aos poucos, a brancura invade a sociedade e toda a população acaba cega. As pessoas apoderadas pelo medo e pelo desespero abandonam a sua condição humana para ficarem reduzidas a meros seres que lutam pela sobrevivência. Ao princípio e na tentativa de controlar a epidemia, os infectados e os que, possivelmente, estiveram em contacto com estes foram postos em quarentena. As velhas instalações de um manicómio são usadas para reter os dois grupos: os «pacientes» e os «suspeitos de contágio», cada qual em alas diferentes do edifício. Neste preciso instante somos «teletransportados» para a ala dos «pacientes» e todo o relato centra-se numa das camaratas. Na denominada «primeira camarata do lado direito», podemos encontrar os protagonistas desta história: o médico, a mulher do médico, o velho da venda preta, a rapariga dos óculos escuros, o rapazinho estrábico, o primeiro cego e a mulher. As pessoas são mantidas em condições desumanas e à medida que os serviços estatais começam a falhar, a trama intensifica-se e recai sobre a única pessoa que não é afectada pela doença – a mulher do médico.
O branco da cegueira ilumina as percepções das personagens principais e a história torna-se, não só um registo da sobrevivência física das multidões cegas, mas também um registo das suas vidas espirituais e da dignidade que tentam manter. Tendo em conta estes factos, temos a percepção de que este romance vai muito mais além da descrição de uma horrenda, mas hipotética realidade. Este romance pretende mostrar, através de uma cegueira física, a cegueira abstracta que envolve a humanidade, ou seja, mais do que ser capaz de ver o outro, o importante é ser capaz de reparar no outro: «Se podes OLHAR, VÊ. Se podes ver, REPARA.» (in Livro de conselhos).


Marta Belguinha Baguinho, nº 34041

1 comentário:

  1. Não li o livo, apenas vi o filme, mas pelo que li por ai, estão mais ou menos fiéis um ao outro!

    Não foi dos melhores filmes que tenho visto... mas acho uma ideia muito original! Consegue incomodar os espectadores em algumas cenas, mas também tem partes muito bonitas e profundas, que nos deixam a penar...

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